As cicatrizes do machismo estrutural na condução dos procedimentos judiciais: uma busca incessante à dignidade da mulher
Mérian H. Kielbovicz.
Fonte: Imagem 1
Sabe-se que o sistema patriarcal ainda traça lesões em desfavor das mulheres, que vivem em uma luta constante de coragem para assegurar direitos básicos, mas que são negligenciados pela sociedade, mais precisamente, pelos homens. Essa realidade também é vivida dentro do Poder Judiciário, que deveria ser um abrigo às vítimas, e por vezes, torna-se o próprio ambiente de agressão.
Neste passo, não é incomum que, em diversos casos, a defesa dos réus que buscam se eximir de acusações por crimes cometidos em face das mulheres, use críticas diretas a sua reputação, em uma tentativa de honrar o homem para justificar a conduta criminosa. Destaca-se, que já há muito tempo os estereótipos de gênero são utilizados com a finalidade de atribuir à própria vítima das denúncias uma parcela de culpa em crimes de violência contra a mulher.
Dito isto, observa-se que o machismo está presente também nas estruturas do judiciário brasileiro, considerando a falta de protetividade às vítimas que se encorajam para denunciar um crime sofrido e acabam por se deparar com a absolvição de homens que gozam de posições privilegiadas na sociedade. Isso decorre, principalmente, pela imagem de subjugação da mulher pela herança patriarcal, visto que o patriarcalismo se encontra presente, ainda que inconscientemente, nas decisões proferidas tanto por homens quanto por mulheres, sendo o reflexo do contexto cultural que a coletividade está inserida.
Ante aos efeitos advindos dessa realidade nos procedimentos judiciais, aonde a mulher é vista como criadora de cenários imaginados e acusadas de realizar ou incentivar os crimes cometidos contra si própria, criou-se a Lei n. 14.245/21, conhecida como “Lei Mariana Ferrer”, que tem como premissa proteger as vítimas de crimes sexuais de atos contra a sua integridade moral e psicológica durante o processo judicial.
Registre-se, que o PL n. 5.096/20 foi aprovado pelo Congresso Nacional e promove alterações no Código Penal e no Código de Processo Penal. O projeto foi inspirado no caso da influenciadora digital Mariana Ferrer, que denunciou ter sido dopada e estuprada pelo empresário do ramo de futebol André de Camargo Aranha, durante uma festa ocorrida no ano de 2018 em Santa Catarina. Pontua-se que Mariana foi atacada de forma cruel durante o julgamento pelo advogado de defesa do acusado, o qual fez várias menções à vida pessoal da vítima, inclusive se valendo de fotografias íntimas, apontadas como sendo falsas pela acusação. Ao final, diante de mais um ataque à vítima, houve a absolvição do acusado sob o argumento de falta de provas.
Segundo a lei já sancionada, durante as fases de instrução e julgamento do processo, fica vedada a manifestação sobre fatos relativos à pessoa denunciante que não constem dos autos e o uso de linguagem, informações ou material ofensivos à dignidade da vítima ou de testemunhas. A lei também eleva a pena para o crime de coação no curso do processo, sendo essa definida como o uso de violência ou grave ameaça contra os envolvidos em processo judicial para favorecer interesse próprio ou alheio, e recebe punição de um a quatro anos de reclusão, além de multa.
Assinala-se, ainda, a orientação do Fórum Nacional de Juízas e Juízes de Violência Doméstica e Familiar (Fonavid), ao ser disciplinado que magistrados e magistradas podem, no curso de um julgamento, intervir quando considerarem haver excesso de perguntas, linguagem violenta ou argumentos ofensivos à dignidade da mulher. A recomendação aprovada na última edição do Fonavid, realizada em dezembro de 2021, em Teresina/PI, reforça a aplicação de leis nacionais e internacionais de respeito à intimidade, à honra e à imagem da pessoa ofendida, entre elas, a Lei 14.245/2021 (Lei Mariana Ferrer).
Neste rumo, foi disposta a orientação do Fórum para proteger as vítimas de violência doméstica, com o objetivo de aplicar os fundamentos da modalidade do depoimento especial. Nota-se, portanto, que mesmo com inúmeras cicatrizes provenientes do sistema patriarcal, enraizado de machismo com o intuito de prevalecer o homem sobre a mulher, existem ativistas que resistem a esta dura realidade, em busca de segurança e dignidade dentro e fora do judiciário, sendo essa luta de todas nós.
Comentários