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O vínculo empregatício (in)existente entre o trabalhador e os aplicativos

Mérian H. Kielbovicz.

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A sociedade da informação trouxe, além de diversos outros meios tecnológicos, o desenvolvimento de aplicativos com a finalidade de fornecer serviços através das plataformas para seus usuários.


A partir disso, passou-se a indagar sobre a relação de trabalho entre as empresas e os prestadores de serviços, sendo uma problemática contemporânea do Judiciário, incluindo o brasileiro. Dito isto, cabe destacar de forma breve o que configura o vínculo empregatício: é preciso ter um empregador (pessoa jurídica ou física) e um empregado (pessoa física) que possua relação de subordinação, não eventualidade, e que receba contraprestação pelo trabalho realizado.


E, no que se refere ao cadastro de prestação de serviço, normalmente, o motorista é quem escolhe se vincular às plataformas como a Uber, Ifood, dentre outros aplicativos, devendo se adequar aos requisitos exigidos para iniciar a prestação do serviço. Entretanto, na grande parte dos casos, esses contratos dispõem expressamente sobre a relação estabelecida entre as partes, apontando-se ser de empreendedorismo independente, isto é, de total autonomia, o que não configuraria uma relação de emprego.


Contudo, mesmo se tratando de uma temática recente, os tribunais trabalhistas brasileiros já se dividem em relação a este assunto, uma vez que parte entende que há os requisitos necessários para caracterizar a relação empregatícia, pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação, enquanto outros acreditam que não estariam preenchidos os elementos necessários, afastando de plano o vínculo empregatício.


Para uma melhor compreensão a respeito do problema em análise, faz-se necessário analisar o entendimento da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região, que condenou a Uber a pagar R$ 676 mil, por danos morais e materiais, à mãe de um motorista do aplicativo assassinado durante o trabalho. Assim, junto ao acórdão sob n. 0000078-31.2020.5.07.0015, decidiu-se em favor sucessão do motorista, que exercia funções de trabalho de forma exclusiva para o aplicativo, que foi torturado e morto com 19 tiros enquanto prestava serviço autônomo à empresa. Neste passo, nas alegações da genitora, autora da reclamação trabalhista, o motorista dedicava todos os valores adquiridos por meio de seu trabalho na Uber ao sustento próprio e de sua genitora.


No entendimento do relator, configurou-se a relação de trabalho exercida pela vítima, pois a Uber realiza parceria com uma empresa seguradora, com o objetivo de oferecer aos usuários do sistema e aos motoristas parceiros um seguro com cobertura de acidentes. Logo, existe uma evidente parcela de responsabilidade pelos acidentes sofridos pelos motoristas cadastrados na plataforma da empresa ré, de modo que, verifica-se a responsabilidade da empresa pelo evento objeto da ação.


Na mesma linha de entendimento, a 6ª Vara do Trabalho de Porto Velho reconheceu o vínculo de emprego entre um motoboy e uma empresa de entregas, parceira da plataforma iFood, por constatar não eventualidade, subordinação, onerosidade, pessoalidade e alteridade. A decisão foi apresentada no processo sob n.0001771-48.2021.5.14.0006, tendo como alegação do motoboy que teria começado a prestar seus serviços em 2019, mas sua carteira de trabalho só foi anotada em 2021, apontando ainda, que cumpria jornada em dois turnos, com horário definido pela empresa, sem autonomia para organizar suas funções e que o iFood teria sido beneficiário dos serviços prestados durante todo o período, assim caracterizando sua responsabilidade subsidiária, ante a ausência de fiscalização adequada do contrato de trabalho.


Portanto, com base nas decisões acima descritas, verifica-se que os argumentos de trabalho autônomo não se sustentam, uma vez que parte das plataformas digitais a realização de capacitação do entregador e/ou motoristas a independência laboral, bem como estas são beneficiadas pelo trabalho realizados pelos prestadores. Assim, não é possível romper com a estrutura dogmática[1] do Direito Do Trabalho, que tem como consequência, os conceitos clássicos dos elementos exigidos para reconhecimento do vínculo empregatício, ensejando, desta forma, as normas trabalhistas aos prestadores de serviço as plataformas.

[1] Dogmático é um adjetivo masculino que qualifica alguém ou mesmo algo como um seguidor de um dogma, isto é, alguém que carrega um dogmatismo dentro de si. Dogmático tem como significado, portanto, o sujeito que aceita determinado pensamento ou situação como verdade absoluta e não abre qualquer espaço para discussões. Disponível em: https://www.significadosbr.com.br/dogmatico. Acesso em: 21.02.2022.
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